Escrito por Mônica Bubeck Stritthorst, Árbitra e Especialista em Direito de Arbitragem, Presidente da ARBITRAGE.M- Câmara de Mediação e Conciliação de Direitos Patrimoniais , em 05 de abril de 2020, às 13:23 horas em Blumenau.
Dentre todas as coisas que podem ser imprevisíveis, os contratos procuram abarcar o maior número de situações, e as situações não previstas encontram resposta na legislação já existente.
É de se prever que, nos contratos firmados e existentes atualmente, falo de quaisquer contratos desde os menores até os de maior valor, poderá haver uma instabilidade em tempos de pandemia, que por ironia são feitos para garantir a estabilidade no mundo dos negócios.
Nesse sentido, as medidas legislativas que vem sendo adotadas nestes tempos de pandemia, da COVID-19, causada pelo coronavírus, pelos Governos de todas as esferas, quer seja Federal ou Estadual e Municipal, tem por obejtivo estabilizar estes contratos.
As medidas legislativas visam oferecer essa estabilidade aos contratos resumindo-se em quatro possibilidades:
(i) impossibilidade de cumprimento pelo devedor,
(ii) desinteresse do credor em receber a obrigação,
(iii) a mora do credor ou do devedor,
(iv) e a alteração superveniente das circunstâncias.
Ainda assim incorremos em institutos jurídicos, que em tempos de pandemia podem dificultar a delimitação do que seria o acontecimento normal ou do acontecimento em face da pandemia, que podem ser resumidos em quatro institutos:
I- riscos próprios do contrato
II- imprevisibilidade
III- inimputabilidade ao lesado
IV- inexigibilidade do cumprimento
O que resulta desta análise é que as consequências de uma efetiva alteração superveniente das circunstâncias dentro de uma relação contratual podem afetar uma base de negócios e o que deve ser levado em conta são os prejuízos sofridos pelas partes.
Se estes danos afetam a comunidade como um todo o ideal é que esta comunidade como um todo suporte estes danos através de intervenção Estatal. A legislação produzida nos últimos dias demonstra esta situação. Nesse sentido, é o que diz M. Carneiro de Frada:
“As “grandes” alterações das circunstâncias, enquanto alterações globais dos parâmetros fundamentais da coexistência social, são na realidade um risco de todos, a que todos estão sujeitos, a cujos danos ninguém pode pretender eximir-se à custa de outrem e que não devem conduzir a permitir benefícios integrais a uma das partes com prejuízo da outra”.
No entanto, em situações contratuais que não afetam a comunidade como um todo, caberá ao julgador determinar e dividir os riscos entre os contraentes.
Quando estiver em causa a modificação de contrato, o julgador deverá proceder ao uso da ponderação distribuindo os riscos de forma equitativa, para que ao sofrerem prejuízos não cobertos nos contratos o lesado possa ainda exigir o cumprimento e por outro lado, a contraparte cumprir a obrigação sem sofrer a inadimplência face à modificação dos contratos.
Para os tribunais este será um difícil exercício de ponderação. Mas pode ser mitigado se os mesmo tribunais atenderam às vontades das partes. A identificação das vontades das partes se dará pelo pedido de modificação dos contratos e através da contestação destes pedidos.
Os contraentes devem criar situações hipotéticas para que se atinja um equilíbrio contratual prevendo o que poderia ter sido fixado anteriormente se estivesse prevista a pandemia.
A hipótese deve levar em conta os investimentos feitos para a mitigação dos danos antes e depois da pandemia e, principalmente, os investimentos feitos na confiança da alteração destes contratos.
Também devem ser levados em conta os investimentos dos elementos de menor propagação dos riscos e a mitigação dos seus efeitos e os prejuízos que ainda poderão haver em outras relações contratuais das partes.
O juiz, tanto estatal, como arbitral deverá ponderar estes quesitos para a fixação de uma moratória/alteração no cumprimento dos contratos fazendo uma repartição igualitária dos danos causados entre os contratantes.
O próximo período será de acordos e negociações promovendo ao máximo o cumprimento dos contratos, mesmo que alterando-os ou distribuindo os prejuízos entre os contratantes.
Em tempos de pandemia, a vontade e possibilidade das partes, de negociações para o cumprimento dos contratos, no mundo negocial, poderá ser a mudança de comportamento que há tempos falávamos, principalmente por parte dos julgadores.
Seguem alguns dos artigos, dentre outros, que dizem respeito às colocações acima.
Código Civil de 2002
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.
Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.
Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.
Bibliografia: M. Carneiro da Frada, Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras, Revista da Ordem dos Advogados, ano 69, vol. III/IV, 2009, p. 683.